Metamorfose

Metamorfose

As borboletas pousaram na minha num momento muito especial....
Eu, que sempre pintei numa explosão de cores,
Me vi invadida por borboletas negras e brancas
Pousando nas minhas telas...

Véspera de exposição...
Tudo pronto,
Trinta, painéis coloridos, cada um no seu devido lugar .
Ledo engano quem acha glamouroso ser artista,
quem pensa que é pura inspiração!
Na verdade é muito mais transpiração, que inspiração!
Mas ainda sinto aquela sensação de que algo está faltando,
deve ser insegurança minha...
Enfim ,
o salão de beleza, fazer as unhas, o cabelo,
só eu sei o estado que fico depois de uma produção de trinta quadros...
Mãos de artista....hummm....
Até tento pintar somente com pincéis,
até começo, mas não termino.
Termino com a mão na massa, na tinta!
Chego ao salão de beleza e digo enfática:
- Corta!
- Como corta?! Levou tanto tempo para crescer, e está tão lindo!
- Pode cortar, estou pronta! Mudei de fase! Quero estar diferente amanhã na exposição!
Não teve argumento que me fizesse mudar de idéia...E eu cortei a longa cabeleira dourada.
- Lindo!
- Nossa, lindo mesmo!!!
- Corajosa!
E eu olhei no espelho,
aquela mulher com o cabelo chanel era chique mesmo, mas não era eu...
Olhei de novo no espelho e não me vi.
Comecei a chorar...
Qual de nós mulheres mortais nunca chorou no cabeleireiro?
Eu nunca tinha chorado...
Sempre tão segura,
Tão certa do que quero!!!
Levei uma rasteira!
- Traz um chá.
- Não Gisele, não toma chá!
- Traz uma água.
E eu chorava copiosamente.
Nada nem ninguém era consolo para mim...
Minha experiente cabeleireira,
colocou um fim na choradeira e no drama feminino que se formou ao meu redor.
- Coitada!
- Eu falei!!!
- Era tão lindo o cabelão!!!
- Vai demorar anos para voltar a ser como era...
- Traz um champanhe, Gisele gosta é de champanhe!
Não sei de onde, nem como,
mas logo estávamos todas tomando champanhe
clientes e funcionárias,
brindando minha exposição e meu cabelo chique!
Estava cortado mesmo, fazer o quê?!
E fui para casa, com aquele cabelo chique, que não era meu!!!
E ainda tinha aquela vozinha dentro de mim, dizendo que faltava algo na exposição...
Em casa, ninguém aprovou o cabelo...
É porque são homens...
Não entendem de cabelo chique!!!!
Mas, entendem de mulher...
Mesmo que tão pequenininhos,
O masculino extrapola a idade!
Tomei um banho, passei meu Cecita.
Para me reconhecer,
Me encontrar...
Precisava das minhas referências,
Meu cheiro,
minhas músicas,
coloquei um CD da Norah Jones,
Meu Capuccino...
Fui mexer na minha papelada, nos meus livros.
Me deparei com um antigo texto que falava sobre a metamorfose:

A história de uma jovem borboletinha que ainda estava no seu casulo.
Talvez ainda fosse lagarta.
Um homem a ajudou romper o casulo
com muito jeito.
Com muito amor
a ajudou a abrir as asinhas,
ainda enrugadas.
Ela tentou viver...
Ele tentou até mesmo com seu sopro humano,
Ajudá-la. Só que a borboleta morreu!
Ainda não estava pronta para sair do seu casulo...
Bater asas!

Eu...
Eu não me sentia pronta para:
O cabelo novo,
A exposição...
Fui ainda mais longe:
Pronta
Para me separar,
Para criar os meus meninos,
Para viver comigo mesma!
Me sentei no chão, de pernas cruzadas,
E olhei para aquelas últimas telas em branco,
Que ainda restavam, encostadas na parede
E como se recebesse as telas prontas no meu íntimo
Deixei-as sair...
Pintei num ritmo e rapidez alucinantes,
Uma,
Duas,
Cinco telas.
Todas em preto e branco.
Contradizendo toda minha trajetória artística...
Pura antítese,
A artista das cores,
Pinta o bicho mais colorido da natureza
Em preto e branco.
E eu gostei!
Gostei do resultado,
Gostei da sensação de paz,
Enfim,
Era o que faltava na exposição.
Liguei correndo para gráfica
Para mudar o nome e o texto
Da mostra:
Mostra Metamorfose.

Levei as telas ainda molhadas para a exposição.
Que foi um sucesso!

E agora eu tinha que aprender a lidar com minha nova vida
Minha metamorfose...
Cabelo novo,
Estado civil novo,
Casa nova,
Vida nova...
Cores novas...
Com certeza teriam mais borboletas nos meus quadros!

Só o perfume seria o mesmo:
Cecita!

Gisele Pedrosa